Fato social é toda “coisa” capaz de exercer algum
tipo de coerção sobre o indivíduo, sendo esta “coisa” independente e exterior
ao indivíduo e estabelecida em toda a sociedade;
Podemos classificar como fatos sociais as regras
jurídicas, morais, dogmas religiosos, sistemas financeiros, maneiras de agir,
costumes, etc.
Análise Orientada do Texto “As Regras do Método
Sociológico – E. Durkheim
1) Descrever o “indivíduo X Coletivo” na teoria de
Durkheim:
Para Durkheim, o indivíduo - visto de maneira
isolada - não pode ser considerado objeto ideal para o estudo da Sociologia,
sendo, portanto, um elemento inadequado para o estudo e a compreensão
apropriada do conceito de “fato social”. O que realmente interessa à vertente
durkheimiana é o enfoque no indivíduo inserido no contexto de uma realidade
social objetiva que, encontrando-se acima dele em termos de prioridade,
caracteriza-se por ser eminentemente grupal - e, por conseguinte, coletiva.
Durkheim foi um dos pioneiros na análise dos fatores
coercitivos que levam o indivíduo, desde cedo, a se moldar segundo os
parâmetros historicamente impostos pelo grupo social ao qual pertence, ou
melhor, no qual encontra-se circunstancialmente inserido. Esta estruturação do
indivíduo segundo padrões preestabelecidos e exteriores ao próprio, perpassa
pelo psicológico, pelo moral, pelos hábitos e costumes, pelo comportamento,
enfim, por toda cultura. Tal processo é, até certo ponto, inconsciente, e será
determinante no sentido de conferir um maior ou menor engajamento social (ou
comprometimento) do indivíduo nos processos coletivos que
permeiam as atividade sociais.
Durkheim se preocupa em analisar a maneira pela qual
o meio social, através de aparelhos de coerção e da própria instituição
educativa, contribui para regular, controlar e moldar permanentemente o
comportamento individual, tornando os processos coletivos aparentemente
harmônicos e estáveis. O processo de coerção (ou de conversão) do indivíduo
acontece desde cedo, sendo primordial para a garantia da coexistência pacífica
entre os indivíduos que, por sua vez, tornará possível uma convivência coletiva
estável e pacífica. Segundo o autor em seu livro “As
Regras do Método Sociológico”:
“(...) o devoto, ao nascer, encontra prontas as
crenças e as práticas da vida religiosa; existindo antes dele, é porque existem
fora dele. O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir pensamentos, o
sistema de moedas que emprego para pagar dívidas, os instrumentos de crédito
que utilizo nas relações comerciais, (...), etc, funcionam independentemente do
uso que faço delas. (...). Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar
e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências
individuais”. – e, portanto, independente das mesmas.
Por este motivo, para Durkheim, os processos
coletivos, em termos de análise acadêmica, possuem uma incontestável primazia
sobre os indivíduos que, por sua vez, são obrigados a orbitar, desde o berço,
em torno de algo naturalmente imposto que se apresenta mais forte que cada um
deles; algo que, regulando e moldando permanentemente suas vontades individuais
(pejorativamente tachadas de egoísmo, individualismo, etc), permite a
convivência – mesmo que conflituosa - do homem em sociedade. O custo
psicológico para o indivíduo resume-se basicamente no controle de seus impulsos
individuais – talvez algum dia ainda venha a existir uma sociedade em que valha
a pena chamar este “custo” (ou perda) de “investimento natural e necessário”.
Porém, cabe frisar que a análise de Durkheim é sociológica coletiva, e não
psicológica individual. Para Durkheim, qualquer conflito precisa ser superado.
2) Quando o indivíduo entra na Sociedade para
Durkheim? (teoria da socialização).
Segundo o autor na obra que analisamos: “Toda a
educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras
[adequadas] de ver, sentir e agir às quais elas [supostamente] não chegariam
espontaneamente – (...). Desde os primeiros anos de vida, são as crianças
forçadas a beber comer e dormir em horários regulares; são constrangidas a
terem hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las
a aprender a pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências; forçamo-las
ao trabalho, etc. (...)”.
E, a seguir, ainda no mesmo parágrafo:
“(...) a educação tem justamente por objeto formar o
ser social; pode-se então perceber, (...), de que maneira este se constitui
através da história.
A pressão de todos os instantes que sofre a criança
é a própria pressão do meio social tendendo [permanentemente] a moldá-la à sua
imagem e semelhança.”
Portanto, baseado neste trecho escrito por Durkheim,
pode-se observar que, segundo o próprio autor, o indivíduo ingressa na
sociedade no momento em que, dentro dela, nasce. No mesmo instante de seu
nascimento, ele já começa a ser moldado pelas instituições que compõem a
sociedade: primeiramente, o indivíduo sofre influência da própria família(caso
possua uma); depois, mais tarde, de seu bairro, município, de sua escola, etc.
A partir
daí, o indivíduo assimila (ou não), os hábitos, a
moral, os costumes, enfim, toda forma de lei não escrita que rege a convivência
de seu grupo. Geralmente, o indivíduo procura agregar as regras do grupo ao seu
sistema individual de valores, procurando agir em conformidade com o grupo,
pois sabe que estará às margens do mesmo se assim não o fizer.
Quando o processo acima mencionado não chega a
acontecer adequadamente, o indivíduo se marginaliza em relação aos processos
sociais coletivos. Para Durkheim, este fato é considerado um suicídio social,
que acaba levando o indivíduo ao suicídio de fato. O autor não confere o
enfoque puramente psicológico ao fato de alguém se suicidar, pois, como sua
análise dos fatos é sociológica, ele busca uma fundamentação social e coletiva
para as manifestações suicidas individuais: o suicida, por algum motivo dentro
de seu grupo, se mata por se encontrar às margens da sociedade, por não ter
encontrado identificação no seio grupal e, por isto, encontra-se solitário e
isolado.
3) O que é “fato social” e o que o caracteriza?
O fato social encontra-se intrinsecamente
relacionado aos processos culturais, hábitos e costumes coletivos de um
determinado grupo de indivíduos ou sociedade. Tais elementos, além de conferir
unidade e identidade ao grupo social, serve de controle e parâmetros às
atividades individuais que, em princípio, não devem causar desarmonia no corpo
social,
ou melhor, na convivência oriunda das relações
individuais.
O fato social precisa pertencer ao histórico grupal,
encontrando-se igualmente relacionado à maneira de pensar, sentir e agir
coletiva do homem. São justamente estes elementos - o pensar, sentir e agir
peculiares a cada grupo - que irão permear a ideologia do mesmo. Isto não
implica na inexistência de conflitos. Numa sociedade complexa, vários grupos
podem existir e, por conseguinte, diversas ideologias diferentes podem
coexistir dentro de uma mesma cultura. Daí, num ambiente complexo de
pluralidade
cultural, existe maior possibilidade de geração de
conflitos originados de idéias antagônicas. Assim, sempre que existe o
conflito, a ideologia dominante tenta (geralmente com muito sucesso) disseminar
um falso ar de estabilidade, igualdade e permanente harmonia, mascarando as
realidades sociais. Caso este mecanismo não funcione, tem-se a coerção
policial...
A ideologia dominante, vista como um conjunto de
formas cristalizadas de pensa, sentir e agir das elites hegemônicas, funciona -
em nível simbólico e imaginário - como uma espécie de anestésico no sentido em
conter a dor da necessária repressão dos desejos individuais. Esta repressão
viabilizará a convivência grupal – aparentemente harmônica. A ideologia do
grupo, portanto, serve como um amortecedor para os desejos individuais,
procurando conciliá-los, sempre que possível , aos interesses coletivos (ou
ditos
coletivos) que, estando acima dos interesses
individuais ou oligárquicos,
deveriam, por sua vez, serem capazes de promover o
bem comum, ou o bem geral.
Como exemplo de fato social, podemos citar: a
ascensão, na década de 30, no século passado, dos regimes de cunho Nacional Socialista
na Alemanha de Hitler e na Itália fascista de Moussolinni; e, mais próximo ao
nosso tempo e ao nosso contexto histórico: o movimento pelas “Diretas Já”, em
1985, promovido por vários setores da sociedade civil e pelo povo brasileiro,
que retomou o rumo democrático de nosso país após 20 anos de ditadura militar.
Portanto, outro fator que caracteriza um fato social
é a sua aceitabilidade por parte da maioria, por parte do próprio coletivo
dentro da sociedade. Esta aceitação é o produto de uma maneira peculiar e
circunstancial de pensar, sentir e agir de um grupo, em um dado momento
histórico e contexto social.
O acontecimento de um fato considerado social é um
fenômeno coletivo que requer a aceitação do da maioria, o que não deve
necessariamente ser confundido com consenso geral, posto que, em sociedades
mais complexas, os conflitos e oposições de idéias devem ser considerados
elementos naturais na dialética das relações interpessoais do ser humano –
relações estas que permeiam nossa vida coletiva cotidiana.